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Losangos no Terreiro do Paço pouco consensuais Imprimir E-mail

in Público, 12.05.2009, Ana Henriques

Não são lá muito consensuais os grandes losangos que o arquitecto Bruno Soares desenhou para o futuro chão do Terreiro do Paço. Mas nenhum dos especialistas contactados pelo PÚBLICO se mostra chocado com o desaparecimento da calçada portuguesa - que, aliás, há muito que já não ornamenta a placa central da Praça do Comércio.

Recusando-se a comentar o trabalho de Bruno Soares por desempenhar nesta altura as funções de presidente da Ordem dos Arquitectos, João Rodeia recorda o que sempre defendeu em relação à praça: "O pavimento deve ser o mais neutro possível". Uma opinião que parece ser idêntica à do olisipógrafo José Sarmento de Matos, quando diz que não acha feliz a marcação dos losangos, que deviam ser mais discretos - tal como o corredor de pedra que marca o caminho entre o arco da Rua Augusta e o rio, dividindo a praça ao meio. Ao arquitecto José Mateus agrada que tenha sido o antigo terreiro que ali existia antes do Terreiro do Paço, uma praça de terra sem pavimento, a inspirar o trabalho de Bruno Soares. "Mas tenho dúvidas quanto aos losangos. Parece-me uma opção extraordinariamente formal e contraditória com a noção de terreiro".

"Um bocadinho folclórico"
Manuel Graça Dias também não acha grande piada aos quadrados deformados: "Preferia que fosse um desenho mais neutro. Ou então um padrão à escala do peão, como acontece com a calçada portuguesa". É possível que quem cruze a Praça do Comércio nem se venha a aperceber deles, devido às suas dimensões. E o corredor de pedra, será necessário? "As pessoas não são tontas, não é preciso assinalar caminho nenhum", responde Graça Dias.

O arquitecto Ribeiro Telles resume um sentimento que parece ser generalizado: "O arranjo da praça deve ser o mais simples possível, porque ela já tem força e majestade por si própria". Daí as reticências do paisagista em relação ao pavimento da placa central: "Acho-o um bocadinho folclórico".

À parte estes aspectos, o projecto é recebido com algum agrado. À excepção do presidente da Junta de Freguesia de S. Nicolau, em cuja área se situa a praça, vários depoimentos reconhecem alguma qualidade ao trabalho de Bruno Soares. Especialista em questões da Baixa, Walter Rossa dá mesmo os parabéns aos seus autores, por terem conseguido "respeitar a solenidade e o silêncio do espaço". Tal como João Rodeia, também Walter Rossa temia o surgimento de árvores, banquinhos ou outro mobiliário urbano que de alguma forma apoucasse o sítio. "Qualquer intervenção deve respeitar a escala do local", e não tentar transformá-la, diz o arquitecto.

"Neste projecto a simetria foi preservada e de alguma forma o espírito da praça mantém-se", elogia Graça Dias. Outra opção igualmente elogiada é a redução do tráfego automóvel e o aumento dos passeios. "É o mais positivo: passa a ser território dos peões", observa Sarmento de Matos. O olisipógrafo explica que, sendo a calçada portuguesa "uma coisa relativamente recente" - do séc. XIX -, não há razão para a tornar obrigatória num local que tem uma história muito anterior a essa época. Podia até ser contraproducente, avisa Rossa, por reflectir em demasia a luz junto ao rio, tornando insuportável atravessar a praça sem óculos escuros. Para este especialista, apenas uma coisa precisa de ser mudada no projecto: a plataforma do cais das colunas, que passa a ser circular, em vez de um semicírculo. "Parece uma rolha que rouba espaço à praça", critica. As esplanadas nas arcadas não levantam quaisquer objecções.

Arquitectos defendem que "devia ter havido concurso"
Foi no final dos anos de 1990, nos tempos em que João Soares presidia à Câmara de Lisboa, que um concurso público promovido pela autarquia para reabilitar o Terreiro do Paço deu a vitória aos arquitectos José Adrião e Pedro Pacheco. Uma década depois a dupla continua sem conseguir explicar por que razão o seu projecto não foi por diante - apesar de o seu trabalho ter sido pago. "Continua a ser um projecto totalmente válido", garante José Adrião, que gostaria de o ver posto em confronto com o trabalho de Bruno Soares.

Na visão da dupla de arquitectos o pavimento da Praça do Comércio devia ter grandes lajes de aglomerado de pedra. José Adrião recorda que naquela altura concorreram à recuperação do Terreiro do Paço "20 e tal equipas" de arquitectos, cujos trabalhos foram apreciados por um júri composto por técnicos de diferentes áreas. E defende que também desta vez se devia ter optado por um concurso, em vez de se fazer uma encomenda de regime, sem concorrência. Foi a Sociedade Frente Tejo, cujo capital é detido pelo Estado na totalidade, que entregou a reabilitação do Terreiro do Paço ao atelier de Bruno Soares, responsável na década de 90 pelo Plano Director Municipal de Lisboa.

Tal como o projecto encomendado pela sociedade, a proposta de José Adrião e Pedro Pacheco já previa a animação da zona das arcadas - com instalações culturais, bibliotecas, galerias, salas de exposição, feiras especializadas e um museu da Lisboa pombalina. A Frente Tejo encomendou um estudo de urbanismo comercial para resolver a questão.

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