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Centros históricos em tempo de globalização em debate Imprimir E-mail
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in Público, 17.05.2009, Carlos Dias

O XIV Encontro Nacional de Municípios com Centro Histórico, que congrega 130 autarquias portuguesas, terminou ontem em Beja, com muitas interrogações e perspectivas pouco animadoras sobre o futuro dos centros históricos. O progressivo declínio que tem acelerado o despovoamento das zonas mais velhas das cidades suscitou uma panóplia de análises sem que se perspective uma solução urbanística para que se reabilite edifícios para funções que "eles não comportam e que se calhar nunca deveriam ter", observou o arqueólogo Rui Parreira.

No actual contexto, com a fuga das populações para as periferias em busca de uma qualidade de vida ausente no centro das cidades, o arqueólogo tipifica os núcleos históricos como organismos que "estão ligados à máquina para serem mantido vivos a todo o custo". José Morales Sánchez, da Universidade de Sevilha, comparou estas zonas urbanas a "cadáveres que estamos a alindar".

São vários os factores para esta situação. O arquitecto Manuel Graça Dias associou a causa desta desconfortante realidade à especulação dos terrenos, à dificuldade em executar obras em espaços tão exíguos, aos problemas da falta de estacionamento.

O engenheiro João Appleton acrescenta aos constrangimentos uma posição "cega" do legislador em relação ao património e, sobretudo, à "força conservacionista" que não permite fazer nada, mas que impõe regras habitacionais adequadas aos séculos XVII e XVIII. A cidade antiga passou a ser "inabitável" pelos condicionalismos e à imposição de requisitos de reabilitação que, na verdade, obriga à "mimetização" do edificado, acrescenta Graça Dias.

Vários participantes defenderam que a revitalização das zonas velhas das cidades passa por soluções radicais. Houve quem propusesse o regresso da Lei das Sesmarias para a gestão dos solos, de forma a evitar a especulação imobiliária. Rogério Gomes, especialista em ordenamento do território, defende "uma ASAE do território", para "proteger" o património "do investimento imobiliário inculto e sem ética".

"Turistas e novos-ricos"
Françoise Choay, professora de Urbanismo da Universidade de Paris, escorou os seus argumentos nos valores que são intrínsecos à "cultura ocidental" por ter produzido "algo de único" que envolve o património histórico construído. Antes de chegar a Beja, local "muito rico" do ponto de vista histórico, mostrou-se surpreendida com a invasão de edifícios, em Coimbra e Lisboa, que "não têm nenhuma identificação com aquilo que é a essência de Portugal". A professora reclama a prevalência das diferenças culturais e defende que os centros históricos não podem ser "oferecidos a um consumo económico, sem que sejam reapropriados pelas pessoas" que lá vivem.

Françoise Choay focou o caso de Paris: "Fico chocada porque a cidade histórica pertence aos turistas e aos novos-ricos", enquanto a população "é expulsa" para a periferia. Giovanni Allegretti, arquitecto italiano, abordou a experiência da Toscana, comunidade onde as pessoas se reúnem para discutir e decidir as prioridades para o seu território. Em Itália existem 22 mil centros históricos. Para interessar "leigos e profanos" na arquitectura e no planeamento territorial, Allegretti explicou como são aplicadas novas formas de reprodução gráfica com mapas perceptíveis, feitos para interpretação fácil do que os arquitectos propõem. "Juntamos a narrativa com o desenho", envolvendo na tarefa os alunos das escolas por se ter percebido que as crianças e os jovens "são grandes multiplicadores sociais".

O arquitecto italiano diz que não se pode estar à espera de todas as condições para avançar com a reabilitação dos centros históricos. "Todos queremos que mude o sistema que está por cima de nós", para fazer o que há a fazer, apostando na humanização desses espaços, onde hoje habita uma população maioritariamente idosa. O arquitecto brasileiro Benamy Turkienicz defende a participação dos moradores no planeamento da sua cidade, por partilhar da convicção de que as pessoas são expulsas dos centros históricos para que "os especuladores possam vender a memória histórica".

O debate, com cerca de 200 especialistas, foi valorizado pelo modelo seguido. Oradores e assistência tiveram tempo e oportunidade para exercer a sua capacidade crítica em todas as matérias do programa. A organização de Beja "foi exemplar", concluiu o representante da Associação de Municípios com Centro Histórico.

A cidade de Évora "perdeu metade da sua população em 20 anos", revelou Elísio Summavielle, presidente do Igespar, presente a título pessoal. O responsável classificou de "trágica" uma realidade que se está a tornar extensiva a outras cidades, com raras excepções. Joaquim Caetano, director do Museu de Évora, avisa que a população no centro histórico alentejano chegará "aos censos de 1521", devido "ao abandono" da zona antiga.

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