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Editorial Imprimir E-mail


1. O controlo público das operações urbanísticas (loteamentos, obras de urbanização, obras de construção, utilização de edifícios e remodelação de terrenos) visa assegurar o respeito pelas normas que concretizam os interesses públicos do ordenamento do território, do urbanismo e da construção, constituindo uma das formas de realização das políticas urbanísticas municipais.


Este controlo exerce-se de uma forma preventiva e sucessiva. Preventivamente, através da sujeição das operações a determinadas formas de verificação ou de garantia, antes da sua realização. Sucessivamente, através da fiscalização e tutela da legalidade urbanística, visando corrigir operações que não tenham respeitado o procedimento de controlo preventivo legalmente aplicável ou que não cumpram os parâmetros normativos que lhes seriam exigíveis.   

2. Apesar de as principais operações urbanísticas se encontrarem, desde há décadas, sujeitas a licenciamento ou a outras formas de controlo municipal prévio, muitas delas têm sido desenvolvidas à margem desse controlo prévio. 

Tal como sucedia com as leis que o precederam, a resposta dada pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) a estas situações assenta na referida tutela da legalidade urbanística: quando a operação seja globalmente admissível, à luz dos parâmetros normativos aplicáveis, há lugar à sua regularização, através do procedimento de controlo prévio devido; quando (ou na parte em que) a operação não seja susceptível de se enquadrar nos referidos parâmetros, há lugar à sua cessação; alteração ou demolição.

3. Mas as normas do RJUE relativas à tutela da legalidade urbanística (Capítulo II, Secção V, Subsecção II) não regulam de modo global todo esse processo, limitando-se a estabelecer os diversos instrumentos de reposição de operações que se mostrem insusceptíveis de legalização (embargo, correcção, demolição e cessação da utilização). 

A legalização, por isso, também ficou por regular, deixando como única solução a aplicação dos procedimentos de controlo, como se de operações urbanísticas novas se tratasse.

4. A reposição da legalidade urbanística, no entanto, suscita diversas questões a que a lei vigente não dá resposta. 

No plano substancial, pode questionar-se, desde logo, o que seja o ilícito urbanístico e a “legalidade” a repor, distinguindo as infracções de ordem procedimental (competência, forma e procedimento) das relativas ao conteúdo das operações em causa (parâmetros e condições de realização). No que respeita aos parâmetros urbanísticos, têm-se presentes a diversidade das normas em causa, o grau de vinculação ou a margem de livre decisão conferidos na sua aplicação ou, mesmo, a possibilidade da sua derrogação ou alteração. Pode, também, questionar-se a aplicação das regras vigentes à data da legalização (ou, nalguns casos, aceitar que a regularização assente nas normas vigentes à data em que a operação foi realizada) bem como reflectir-se sobre a admissibilidade de critérios como a gravidade/censurabilidade da infracção, a ponderação de interesses ou, mesmo, a boa fé dos proprietários aos quais é exigida a reposição.

No plano procedimental, constata-se a ausência de uma regulação específica, que concretize os aspectos metodológicos essenciais da reposição da legalidade urbanística, sobretudo, no que respeita à legalização. A este respeito, questiona-se a adequação dos procedimentos de controlo prévio previstos no RJUE, assentes na precedência do projecto e do controlo em relação à execução, para a reintegração de operações já concretizadas, onde a ordem é exactamente a inversa. Basta ver que, em muitos casos, é mesmo impossível elaborar os projectos das especialidades. Nos procedimentos de legalização, o controlo sucessivo desemboca paradoxalmente num controlo preventivo. Pode, ainda, equacionar-se a reposição da legalidade urbanística como um procedimento público e a integração da legalização nesse contexto, como obrigação susceptível de execução coerciva. 

5. Devem ter-se presentes, por outro lado, os factores de ordem social, económica e política que condicionam a reposição da legalidade urbanística e que, frequentemente, a prejudicam. 

A rigidez das soluções legalmente disponíveis - inerente ao esquema binário cumpre/não cumpre – e a dependência da execução coerciva, com os custos associados, desmotivam o exercício desses poderes, por parte das câmaras municipais. Além da lesão do interesse público urbanístico ou dos interesses legalmente protegidos de terceiros, a omissão de reposição da legalidade prejudica os proprietários que, apesar da tolerância que lhes é concedida, ficam impedidos de fruir plenamente dos bens, devido à irregularidade da situação em que estes se encontram. 

Muitas destas questões não têm uma resposta fácil nem consensual. Porém, não podem ser evitadas. Não disciplinando com clareza a reposição da legalidade urbanística, a lei apenas fomenta a preservação de situações irregulares, gerando desordem, desigualdade e insegurança jurídica. 
é, por isso, necessário reflectir sobre modos mais adequados de prevenir ou de viabilizar a regularização de operações urbanísticas ilegais sem com isso se incentivar a fuga ao controlo público nem a impunidade das infracções urbanísticas.

Com as III Jornadas de Direito do Urbanismo e da Construção, a Ad Urbem pretende promover a reflexão em torno do regime da reposição da legalidade urbanística, com enfoque especial para os problemas inerentes à legalização de operações urbanísticas realizadas à margem dos procedimentos de controlo preventivo que lhes seriam aplicáveis.
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