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Face ao movimento cívico gerado, os decisores foram obrigados a recuar
e o autor do projecto comprometeu-se a proceder à sua reformulação,
tendo apresentado, em Julho, o novo desenho da praça com soluções "mais
ajustadas".
Desde logo, foi atenuado o forte impacto visual dado pela malha dos
losangos. O losango em mármore verde que marcava a estátua de D. José
desapareceu dando lugar a uma circunferência em pedra clara. Tal como o
corredor central que ligava o Arco ao Cais das Colunas, criticado por
dividir a praça em duas. A sobreelevação da praça diminuiu para metade,
sem que fosse explicado porquê. Ou o desnível inicial tinha razão de
ser e devia ser mantido, ou, não tendo, só podia ser eliminado por não
ser admissível a construção de barreiras numa praça que nunca as teve e
é percorrida livremente, sem entraves ou soluções artificiosas tais
como degraus ou rampas.
Desapareceu ainda o semicírculo, rematado por seis degraus, que
prolongava o Cais das Colunas para dentro da praça, alterando
profundamente a memória histórica daquele local mítico. A linha que
separa agora a placa central da faixa de rodagem é contínua e paralela
ao rio e a ligação faz-se, ao centro, por dois conjuntos com dois
degraus cada, e por rampas nas laterais. Junto ao torreão poente o
desnível passou para meio metro, vencido por dois degraus, e do lado
nascente não existe desnível significativo. Mantiveram-se as "cartas de
marear" nos passeios laterais, em linhas vermelhas e pretas. As
esplanadas situar-se-ão nesses passeios, a alargar, mas nada se sabe
quanto ao seu programa, que tipo de mobiliário urbano, etc.
Com a discussão do "novo" projecto num sábado de praia, pareceu ter
sido dado por findo o tão falado debate público, imposto por aqueles
que se insurgiram veementemente quanto à condução do processo. Mas o
projecto agora em fase de execução continua a suscitar-nos as maiores
dúvidas e os procedimentos continuam a não ser transparentes. Não o
podemos aceitar.
Vejamos: o Terreiro do Paço nunca teve degraus ou bancadas que
dificultassem a ligação da praça ao rio, nem há justificação para a sua
introdução agora. Sempre existiram diferenças de cotas e no entanto a
praça tinha originariamente uma configuração plana, condizente com o
traçado racionalista dos edifícios. Portanto, através de um pequeno
empeno será possível estabelecer uma concordância de cotas que se
traduza numa inclinação suave até ao rio de que ninguém se irá
aperceber, dada a escala grandiosa da praça.
Impõe-se, sim, a remoção de sucessivas camadas de pavimentos que,
colocados ao longo dos tempos, desqualificaram a praça, na procura do
terreiro originário que ali existiu. É dispensável um desenho de autor
que quer deixar uma marca contemporânea própria num local que apenas
deve ser recuperado na sua dimensão histórica, ainda que adaptado a uma
vivência actual.
A circulação automóvel proposta no projecto mantém a faixa de rodagem
junto ao rio, barreira que dificulta o acesso ao Cais das Colunas.
Dir-se-á que não é possível eliminar a ligação entre a Ribeira das Naus
e a Infante D. Henrique, mas cabe perguntar se não seria preferível que
se efectuasse pelas laterais, contornando a praça. Aliás, sempre haverá
circulação automóvel nas laterais, ainda que restrita aos veículos
oficiais que servem os ministérios que aí permanecem.
Mais uma vez, o processo esteve errado e a ordem foi subvertida:
primeiro a decisão, depois o projecto e por último, e a muito custo, o
debate. O resultado? Uma solução altamente controversa que acabou por
ter de ser atamancada pelo próprio autor.
Comece-se pela discussão sobre o tipo de intervenção a desenvolver na
Baixa Pombalina, que deveria decorrer em paralelo com a elaboração do
Plano de Pormenor em curso. Nem se compreende que possa ser de outra
forma, obrigando a que o referido plano acabe por ter de integrar tudo
o que tiver sido construído no Terreiro do Paço e na frente ribeirinha.
As funções, os materiais a utilizar e a diversidade de soluções para o
espaço público têm de resultar de um estudo do conjunto da área de
intervenção e não serem um simples somatório de projectos diversos
entregues à criatividade de arquitectos de renome, escolhidos sem
concurso.
Como se compreende que o projecto tenha sido adjudicado por decisão, ao
que parece individual, de alguém que nunca assumiria funções na dita
Frente Tejo, S.A., que, à data, aliás, não existia sequer? Como se
explica a sua constituição quando toda a gestão dos projectos da Frente
Rio é assegurada pela Parque Expo? Os tais "poderes excepcionais em
matéria de contratação pública e de utilização de bens do domínio
público" explicam muita coisa já que a Parque Expo apenas detém esses
poderes na respectiva área de intervenção e há a desculpa de que é
preciso "agilizar os procedimentos". Daí a contratação avulsa de
numerosos prestadores de serviços, todos com vontade de deixar uma
marca individual na nossa cidade. A articulação entre o trabalho
desenvolvido por aqueles e os próprios serviços camarários é
deficiente, ou inexistente. Os custos, esses, são dados nunca revelados
mas pagos por todos nós.
Antes que seja tarde, há que esclarecer até que ponto o que está feito
condiciona irreversivelmente o destino do Terreiro do Paço. Há obras de
infra-estruturas a decorrer na praça e, por isso, melhor será que a
questão seja desde já suscitada. A nova versão do projecto apresentado
mantém a sobreelevação da praça em mais de 50 cm e é preciso esclarecer
se tal decorre de condicionamentos resultantes de obras feitas pela
SimTejo e pela EPAL, ou se é uma opção do autor. Numa entrevista ao
PÚBLICO (1/7/2009), este salientou a descoordenação entre os diferentes
projectos - o que é inconcebível -, mas admitiu que seria possível,
mesmo assim, encontrar solução que eliminasse os degraus. Em que
ficamos?
Por outro lado, as obras em curso introduzem uma delimitação decisiva
na circulação do peão e do automóvel ao avançar com a colocação dos
lancis e das bases dos pavimentos. Se tal escolha resultou de estudos
de tráfego e de prévia definição de usos e funções é coisa que não se
sabe, porque tais estudos, a existirem, nunca foram divulgados e
debatidos.
Daí que a pretensa discussão pública seja um artifício para acalmar os
ânimos e tornar "aceitável" um processo que é tudo menos transparente e
participado. A campanha eleitoral que se avizinha renhida não pode
perturbar a discussão serena mas profunda do futuro do Terreiro do Paço
que a todos nós diz respeito.
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