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Bancos contrariam alta do imobiliário e baixam avaliações Imprimir E-mail

Público, 06.05.2008, Luísa Pinto e Rosa Soares

Os bancos estão a ser mais conservadores e cautelosos no valor que atribuem às casas para efeitos de empréstimo. O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou ontem que, pelo terceiro trimestre consecutivo, os apartamentos e as moradias do Continente têm vindo a valer cada vez menos, segundo os parâmetros dos avaliadores bancários. No primeiro trimestre de 2008, o metro quadrado da habitação era valorizado, em média, em 1220 euros, o que traduz um decréscimo de 0,9 por cento em relação ao trimestre anterior, e de 1,5 por cento em termos homólogos.

Mas se, para efeitos de hipoteca bancária, a tendência é de contracção, o mesmo não se verifica em termos do valor de habitação praticado pelo mercado. Segundo o índice confidencial imobiliário (ICI) - que recorre à informação disponível no portal imobiliário LardoceLar.com, que reúne a oferta de mais de 395 mil fogos de 1400 empresas de mediação e promoção imobiliária -, o mês de Março registou uma valorização mensal de 1,7 por cento, algo que já não se verificava desde Maio de 2005. Também a valorização média anual, que compara a taxa e variação dos últimos 12 meses face aos 12 meses anteriores, subiu pelo décimo mês consecutivo, atingindo em Março os 1,6 por cento. Em termos de variação homóloga, o ICI atingiu em Março os 3,3 por cento.

Assim, a descida do valor médio de avaliação bancária do imobiliário estará mais relacionada com a conjuntura económica que afecta o mercado financeiro, e não tanto com uma quebra significativa do valor das habitações. Alías, nos últimos inquéritos, coordenados pelo Banco de Portugal, as maiores instituições financeiras assumem claramente que estão a adoptar critérios mais apertados na concessão de empréstimos a empresas e particulares.

O drama do subprime
O aperto de critérios por parte dos bancos (ver texto na página 3) está relacionado com a crise nos mercados financeiros, que desde o último Verão fez disparar o custo do dinheiro para as próprias instituições e para os particulares, aumentando o risco de incumprimento por parte das famílias. A esta dificuldade imediata junta-se uma outra, mais difícil de medir, que é a de perceber se a crise gerada pelo mercado hipotecário de alto risco, o chamado subprime, não vai acabar por levar as maiores economias mundiais a um forte abrandamento económico ou mesmo a uma recessão. A confirmar-se este cenário, isto significa maior deterioração das economias das familias (maior desemprego, menos aumentos salariais), o que deixa os bancos com forte exposição a este tipo de crédito numa situação difícil.

É por causa da nova realidade económica que os bancos estão a ser mais cautelosos na principal garantia do crédito à habitação, que é a própria hipoteca do imóvel, tendo sempre presente a desvalorização que sofrerá, o que depende muito do tipo e localização do imóvel. A avaliação é fundamental para cumprir outra condição de segurança dos actuais empréstimos, que consiste em emprestar menos que o valor de aquisição. Cada vez menos empréstimos bancários financiam 100 por cento o valor de aquisição. A maior empresta 60/80 e 90 por cento, sendo que vão agravando as condições do próprio empréstimo sempre que a diferença entre o montante emprestado e o valor da avaliação do imóvel se distancia.

Euforia pertence ao passado
O "aperto" das exigências contrasta com a euforia do início da década de 2000, altura em que, como recorda Reis Campos, presidente da Federação de Construção, as instituições faziam avaliações muito generosas, contando muitas vezes com a previsível valorização no futuro, de modo a poder acomodar não só o financiamento da casa, mas também a compra de recheio e até de automóveis.

Essa euforia pertence ao passado, até porque, ao contrário dos anos de valorização constante do parque habitacional, em boa parte gerado pela falta de oferta em termos de arrendamento, o cenário actual é completamente diferente, em que alguns segmentos e algumas localizações continuam a valorizar-se, mas depois há um conjunto alargado de imóveis que se desvaloriza, em especial nas zonas periféricas.

Por outro lado, e além da envolvente macroeconómica mais desfavorável, tem-se verificado um descréscimo considerável de construção de novas habitações. O que neste momento existe à venda é, portanto, um número muito mais elevado de imóveis usados/antigos, cujo valor vai diminuindo com o passar dos anos. Esta situação é ainda agravada pelo facto de grande parte dos imóveis à venda se concentrar nas zonas periféricas das grandes cidades, que cresceram desordenadamente a partir da década de 80, e são exactamente aquelas que sofrem maiores desvalorizações.

Casas à venda durante meses e meses, se não anos

A compra e venda de casa foi desde sempre apontada como uma das mais importantes transacções que as pessoas fazem na vida. Esta importância traduz-se num processo de decisão quase sempre complexo, obrigando a ver muitas casas e a comparar muitas mais características.

Mas se este processo já era complexo e demorado, agora é-o ainda mais. "As pessoas demoram muito mais tempo a decidir", confirma o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP), José Eduardo Macedo. Porquê? "Porque o acesso ao crédito está ainda mais complicado", sentencia.

A necessidade de financiamento dos potenciais compradores - e mesmo dos promotores que posteriormente vão vender - acaba por estar, assim, na base de um mercado que tem vindo a acentuar uma tendência cada vez mais visível: as casas destinadas ao segmento alto e muito altos são vendidas com mais facilidade; as casas usadas e as destinadas a um segmento médio, e médio baixo, normalmente situadas na periferia, demoram muito mais tempo a vender. "Os compradores das casas muito boas não têm tantos problemas de liquidez. O que aparece no mercado nesse segmento é escoado com muito mais facilidade. Já o resto..." José Eduardo Macedo nem precisa de terminar a frase: a percepção de que os anúncios de casas à venda se multiplicam pelo país, e que estão colocados nas varandas e nas janelas por cada vez mais tempo, meses e meses, senão anos, é generalizado. E agora nem o segmento cooperativo, normalmente menos exposto a estas oscilações de mercado, está a escapar ao fenómeno. As cooperativas também estão a ter dificuldades em vender as fracções que têm em stock e até já começam a ter necessidade de recorrer à publicidade, o que não era habitual.

Os últimos dados divulgados pelas empresas do sector imobiliário revelam que entre 70 e 80 por cento das casas que estão à venda pertencem ao segmento dos usados. É esta preponderância que justifica duas coisas que podem parecer antagónicas à primeira vista: são as casas usadas que são mais difíceis de vender; mesmo assim, em termos percentuais, o maior volume de transacções feitas (que ronda as 200 mil por ano) pertencem ao segmento de usados.

O mercado de usados assume particular relevância no sector imobiliário por ser ele uma espécie de locomotiva, que atrasa ou empurra as transacções. As pessoas precisam de mudar de casa - porque mudam de emprego, por alterações da vida em familiar (casamentos, divórcios, constituição de famílias) - e muitas vezes só podem comprar uma nova quando vendem aquela que habitam. As permutas de casa ajudam, aliás, a engrossar o número de transacções imobiliárias que, nos últimos anos, tem rondado as 200 mil.
O presidente da Federação Portuguesa dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, Manuel Reis Campos, recusa-se a aceitar que existe no mercado um problema de excedente de oferta. "Não há casas a mais, até porque o ritmo de construção tem vindo a abrandar desde 2000. Se em 2000 foram construídos 114 mil fogos, desde há três anos para cá que o numero de construções anda à volta das 70 mil", argumenta, para sublinhar que o que existe é, antes, um acentuado decréscimo da procura.

Reis Campos, que é também vice-presidente da Associação Portuguesa dos Avaliadores de Engenharia (que fazem avaliações imobiliárias), explica que foi a banca quem mudou "e muito" o seu modo de estar neste mercado. "Todos nos lembramos do tempo em que a banca assegurava cem por cento do financiamento das casas e fazia campanhas onde afirmavam que emprestava para a casa e ainda ofereciam um cheque para a mobília. Hoje em dia já não é assim. Imagino que a tendência será até a de se aproximarem mais dos critérios de avaliação para efeitos de património tributável, em que está estabelecido que, para efeitos de imposto, a avaliação deve estar nos 85 por cento do valor de mercado", argumentou.
 

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